Saiu no Jornal Folha de S. Paulo no dia 9/1/11:
“Autoridades argentinas e familiares do alpinista brasileiro Bernardo Collares, 46, decidiram ontem, após reunião com uma comissão de resgate, deixá-lo no topo do monte Fitz Roy, de 3.405 metros de altitude.
Especialistas acreditam que não há chances de Collares ter sobrevivido ao acidente que sofreu na última segunda-feira em El Chaltén, extremo sul argentino.
Um dos irmãos, Leandro Collares, 36, disse que ‘a palavra oficial da família é a de que ele [o alpinista] está morto’. Embora durante o dia ele tenha afirmado que era contra a suspensão das buscas, à noite preferiu não se manifestar sobre isso”.
Já vimos aqui (http://migre.me/kvV9e) quando é que a vida começa para o direito brasileiro. Mas quando é que ela termina?
A resposta óbvia é que ela termina com a morte. Mas, às vezes, é impossível apurar exatamente quando é que a pessoa morreu, e mesmo se ela morreu.
Pense no caso da matéria acima. Alpinistas e médicos presumem que já esteja morta. Mesmo que presumamos que já esteja morte, a última vez que a pessoa foi vista ela estava viva. Desde então ninguém sabe o que aconteceu com ela. Qualquer pessoa que já tenha visto um certidão de óbito vai reparar que ela contem não só o local e a causa da morte, mas o dia e a hora da morte.
O dia e hora da morte são importantes. Isso porque é a partir desse momento que nasce o direito dos herdeiros e legatário de sucederem o morto, e cessam os direitos e obrigações do morto. Por exemplo, imagine, no caso da certidão acima, que a única filha da pessoa morta fosse casada e não tivesse filhos e que a mãe fosse viúva. Vamos também imaginar que essa filha tenha morrido uma hora antes da mãe (às 21h). Nesse caso, como a filha morreu antes da mãe, ela não terá direito à herança deixada pela mãe. Nesse exemplo, o marido da filha (ou genro da pessoa referida na certidão acima) não terá direito aos bens que um dia pertenceram à sua sogra, pois o genro não herda da sogra (exceto se ela deixou os bens em testamento para ele). Mas se a filha morreu uma hora depois da mãe (às 23h), a filha terá herdado os bens da mãe e, uma hora depois, deixado aqueles mesmos bens para seus próprios herdeiros. Nesse caso, o genro tem direito aos bens não porque fosse genro (como vimos, genro não herda), mas porque ele é herdeiro de sua esposa, que herdou os bens da mãe às 22h e morreu logo em seguida, deixando os mesmos bens para o seu herdeiro (no caso, o esposo).
Pois bem, voltemos ao caso da matéria acima. Como vimos, ninguém sabe exatamente quando o alpinista morreu (ou mesmo se morreu). Mas a lei não pode permitir que a sociedade viva em dúvida (uma das funções das leis é justamente evitar incertezas na sociedade).
Por isso nosso Código Civil autoriza (em seu artigo 7º) que, mesmo quando não há certeza, declare-se a morte de alguém. É a chamada morte presumida. É o caso, por exemplo, do soldado que vai para a guerra e desaparece, ou do velejador cujo barco afunda no meio de uma tempestade, ou do passageiro do avião que cai no mar. Em nenhum desses casos dá para termos certeza que a pessoa morreu, e muito menos sobre qual foi a causa da morte, mas as circunstâncias levam a crer que ela deva estar morta.
Por isso a lei diz que “se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida”, o juiz poderá, em uma sentença, declarar que a pessoa está morta e fixar a data da morte. É óbvio que ninguém saberá se aquela data fixada pelo magistrado realmente foi a data na qual a morte ocorreu, mas a lei tratará o caso como se a morte tivesse ocorrido na data declarada na sentença. Isso é o que chamamos de morte presumida.
A declaração de morte presumida, contudo, só pode ser pedida depois “de esgotadas as buscas e averiguações”, segundo a mesma lei. É por isso que sempre ouvimos na TV as autoridades dizendo que estão encerrando as buscas (lembram-se, por exemplo, do caso do avião que caiu no Atlântico que vimos aqui?). Essa declaração de encerramento de buscas é muito importante pois normalmente é a partir desse momento que os interessados podem pedir a declaração da morte presumida.
Por fim, reparem que no último parágrafo da matéria um irmão da vítima diz que a palavra ‘oficial da família é que ele está morto’. A opinião da família não interessa para a lei. Do ponto de vista jurídico, o que interessa é a opinião das autoridades e especialistas (no caso, dos médicos). Ainda que a família discorde da opinião das autoridades (por exemplo, se ela continuar procurando o velejador desaparecido depois de encerradas as buscas oficiais ou desistir de procurá-lo antes que as autoridades encerrem as buscas), o juiz se informará baseado nas opiniões das autoridades e especialistas, pois a família não necessariamente tem o conhecimento técnico necessário.
(Coluna Para entender direito, da Folha de S. Paulo)
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