Saiu no Zero Hora no dia 29/07/10:
“A Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos busca identificar mais de 10 mil internautas que fizeram download de vídeo em que dois adolescentes de Porto Alegre aparecem em cenas íntimas. O delegado Emerson Wendt pediu à administração do site ‘4shared’ informações sobre quem postou o vídeo na página de compartilhamento de arquivos.
— O objetivo é identificar principalmente quem colocou o vídeo no ar. Depois, queremos saber quem baixou as imagens. O armazenamento de conteúdo impróprio é enquadrado no artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente — explica Wendt.
A legislação determina que a pessoa que adquirir, possuir e armazenar foto, vídeo ou outro tipo de registro de cenas que envolvam sexo entre adolescentes, está sujeita a uma penalidade de um a quatro anos de prisão mais multa.”
O artigo 241-B do ECA fala que é crime:
“Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar (…) vídeo (…) que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” (art. 241-A)
“Adquirir, possuir ou armazenar (…) vídeo (…) que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” (art. 241-B)
E quem assistiu o vídeo?
Reparem que a lei não usa o verbo assistir e por isso existe a dúvida sobre o que pode acontecer com as 10 mil pessoas que assistiram o vídeo.
O que a lei fala é que eles não podem oferecer, divulgar (por exemplo, colocado um link para onde o vídeo estava armazenado, ou mandado um e-mail para um amigo avisando que o vídeo existe, ou indicado o site para os amigos na mesa do bar), armazenar (no HD do PC, pen drives ou em serviços de armazenamento em nuvem como o Google Drive ou OneDrive), distribuir (por bluetooth entre celulares ou mesmo por redes como o WhatsApp) ou transmitir o vídeo.
Como vimos, a lei diz que é crime ter armazenado o vídeo. Ou seja, quem faz o download do vídeo para seu computador, e o armazena terá cometido o crime.
A lei diz que é crime adquirir e possuir o vídeo, e aí o problema é bem maior, pois esses dois termos são subjetivos quando estamos falando de internet. Adquirir é ter direito ao acesso ou passar a ser dono. Possuir é estar de posse, ou seja, ter consigo ou ter o direito de usar, ainda que não seja o dono (proprietário). Aqui há um espaço enorme para debates pois quem acessou o site onde o vídeo estava armazenado, a princípio, não estava de posse nem adquiriu o vídeo, mas dependendo da tecnologia usada para assistir o vídeo, o computador do usuário pode ter armazenado o vídeo ainda que apenas temporariamente (por exemplo, os vídeos podem ter sido carregados na memória volátil/temporária do computador). Nesse caso, é possível alegar que quem assistiu cometeu o crime.
E quem assistiu sem querer?
Primeiro, como a lei não diz que esses crimes são punidos também em sua modalidade culposa, quem assistiu o vídeo sem querer não pode ser punido, pois um crime só é punido na modalidade culposa (cometido sem querer) quando a lei é clara a esse respeito. Mas, um bom magistrado, pode fazer um segundo teste para determinar a intenção do internauta: por quanto tempo a pessoa assistiu. A pessoa pode ter assistido por alguns poucos segundos e assim que percebeu do que se tratava parou de assistir. Fica claro para o magistrado que ela não tinha a intenção de assistir. Mas se ela, ainda que a princípio não soubesse do que se tratava o vídeo, começou a assistir e continuou assistindo, ela pode até não ter tido a intenção de assistir um vídeo com pornografia infantil quando acessou a página, mas ela tampouco parou de assistir depois que ela descobriu do que se tratava. Nesse caso, ela teve a vontade (dolo) de continuar a cometer o crime. É o mesmo que alguém que não tinha a intenção de atropelar um pedestre mas, depois de tê-lo atropelado, dá marcha ré para atropelá-lo novamente.
(Coluna Para entender Direito, Folha de S. Paulo)
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